quinta-feira, 27 de abril de 2023

CHARLES AZNAVOUR: "Je reviens" (1972, Live at Olympia)


 Des fois j'ai fait le tour du  

Uma vez eu estive ao redor do mundo monde

Deixando a morena para a loira Laissant la brune pour la blonde Meio prisioneiro meio livre como o arMi prisonnier mi libre comme l'air
 
Eu pensei que estávamos procurando nossos sonhos Je croyais qu'on cherche ses rêves Sob outros céus em outras margens Sous d'autres cieux sur d'autres grèves Como procurar um ponto de água no desertoComme on cherche un point d'eau dans le désert
 
Mas depois de dias, meses e anos Mais au bout des jours, des mois et des années Quando consegui colocar alguma ordem nas minhas ideias Quand j'ai pu mettre un peu d'ordre en mes idées Sem ter um momento de descanso Sans prendre un instant de répit eu voltei para o paísJ'ai repris le chemin du pays
 
Aqui estou Me voici eu retornarei Je reviens Para aqueles que eu amo Vers ceux que j'aime eu retornarei Je reviens Sempre o mesmo Toujours le même Para este canto Vers ce coin Do meu terno boêmioDe ma tendre bohème
 
eu retornarei Je reviens Em velocidade vertiginosa À folle allure eu retornarei Je reviens eu te asseguro Je vous assure De mais longe De plus loin O que me trouxe a aventuraQue m'avait porté l'aventure
 
Eu nem conhecia a glória Je n'ai ni connu la gloire nem acumular ouro Ni amasser l'or Mas eu sou pela memória Mais je suis par la mémoire Rico como um senhorRiche comme un lord
 
Eu volto dessas viagens Je reviens de ces voyages Eu volto um pouco mais sábio Je reviens un peu plus sage Apenas o suficiente para nunca sairJuste assez pour ne plus m'en aller
 
olhar Regardez eu retornarei Je reviens alegria me guia La joie me guide eu retornarei Je reviens Com olhos molhados Les yeux humides Sem um pouco de amargura Sans un brin d'aigreur Mas não há mais rugasMais plus de rides
 
eu retornarei  Je reviens Sozinho sem acompanhante Seul sans escorte eu retornarei Je reviens A esperança me carrega L'espoir me porte Amigos Les copains Abra onde eu chuto a portaOuvrez où j'enfonce la porte
 
estou aqui decoração fácil Je suis là décor facile Tomado dia a dia Pris au jour le jour Eu quero um corpo frágil Je veux un corps fragile Dar o meu amorDonner mon amour
 
eu retornarei Je reviens Ele rola e arremessa Ça roule et tangue eu retornarei Je reviens fala a minha lingua Parler ma langue E diga as palavras que guardei Et dire les mots que j'ai gardés Para uma garota no meu bairro À une fille de mon quartier Eu volto para amar e ser amadoJe reviens aimer et être aimé
 
 
 373 Charles Aznavour Olympia Photos and Premium High Res Pictures - Getty  Images

domingo, 16 de abril de 2023

Ingmar Bergman: Sonata de Outono

  Estou muito impactado com o filme de Ingmar Bergman, SONATA DE OUTONO (1978), um dos seus últimos filmes para cinema que trata da relação entre mãe e filha. 

 O filme trata de um reencontro de mãe e filha depois de 7 anos. De um lado temos a pianista Charlotte, personagem da maravilhosa Ingrid Bergman, em seu último papel para o cinema, 5 anos depois, a atriz perderia uma batalha para o câncer.  Do outro lado temos Eva, Liv Ullmann, grande atriz que foi casada com Bergman e brilhou em muito de seus filmes entre eles, meus preferidos, GRITOS E SUSSURROS (1972) e CENAS DE UM CASAMENTO (1973).  Eva é uma dona de casa simples, que passa a vida a cuidar do marido que é padre anglicano, a irmã doente que a mãe rejeitou e a lembrar do filho morto. 

 No começo, o transcorrer da vida das personagens flui aparentemente bem, até que numa madrugada dessas, acontece uma monumental lavação de roupa suja com atuação, texto e direção de mais brilhante qualidade, a dar calafrios. Ingrid Bergman não poderia encerrar sua carreira de outra maneira, a sua interpretação é diferente de tudo que ela já tenha feito. Ingrid está brilhante, como a mãe prepotente, altiva, moderna, mas com muitos fantasmas, medos, problemas que ao decorrer do filmes vamos entendendo. Liv está também brilhante, como a filha submissa e também cheia de traumas e angústias. Uma das sensibilidades do filme é não culpar ninguém. Ele nos faz entender que afinal a vida é muito complexa para se haver uma certo ou errado definitivo das coisas, tudo vai acontecendo com enumerados acontecimentos que dão forma ao rumo que as coisas da vida dá. Somos embalados ao longo do filme pelo Prelúdio de Chopin, claro que a sensibilidade de toda a obra não seria menor, mas emoldura toda a poesia que no filme há.

 Tudo cheira a outono: a frieza, o tom das roupas, os cenários, a música, a fotografia, mas também a poesia e a beleza nas coisas mais mínimas, o fazer literatura das coisas mais banais, sensibilidades que poucos como Ingmar Bergman pode fazer. 


Sonata de Outono é meu Bergman de hoje

sábado, 8 de abril de 2023

GATA EM TETO DE ZINCO QUENTE: De pessoa para pessoa (Prefácio)

  Claro que é uma pena que todo o processo criativo esteja tão intimamente relacionado com a personalidade de quem o faz.

 É triste, embaraçoso e pouco atraente que certas emoções que o incitam profundamente a tecer expressões com alguma medida de luz e poder estejam quase todas imutáveis. Mesmo que tenham mudado em sua superfície, nas preocupações particulares e às vezes peculiares de todo artista, esse mundo particular, suas paixões e as características próprias que faz cada um ser o que é desde o nascimento até a sua morte, estão a nos rondar, como uma teia de monstruosa complexidade, tecida a velocidade e comprimentos incalculáveis oriundos da boca de aranha com próprias percepções singulares.

É uma ideia solitária, uma condição solitária, tão assustadora de se pensar que normalmente não pensamos. E assim falamos um com o outro, nos escrevemos, nos telegrafamos, ligamos um para o outro em curtas e longas distâncias em terra e mar, apertamos as mãos um do outro nos encontros e na despedidas da vida, lutamos entre nós mesmos por causa desse esforço sempre um tanto frustrado de romper tais paredes. É como disse uma vez um personagem de uma peça: 'Todos nós estamos condenados a um confinamento solitário dentro de nossas próprias peles'.

 Lirismo pessoal, que nos fazer clamar, de prisioneiro para prisioneiro duma cela solitária onde cada um é confinado por toda a vida.

 Certa vez, vi um grupo de garotinhas em uma calçada do Mississipi, todas enfeitadas com as roupas de suas mães e irmãs, velhos vestidos de baile esfarrapados, chapéus de plumas e chinelos de salto alto. Encenavam um encontro de senhoras na sala de estar com um imitação perfeita do educado sotaque sulista e sorriso afetado. Mas uma criança não estava satisfeita com a atenção dada a sua performance arrebatada pela das outras, já que elas estavam muito envolvidas em suas próprias performances para agradá-la, então esticou seu pescoço e seus braços magros,  jogou-os para trás e gritou para os céus surdos, para elas e vizinhos igualmente indiferentes: 'Olhem para mim, olhem para mim, olhem para mim!'

 E então os chinelos de salto alto de sua mãe a desequilibraram e ela caiu na calçada em um grande uivo de cetim branco sujo e seda rosa rasgada, e ainda assim ninguém lhe olhou.  

 Eu tenho me perguntado, se ela não é agora, uma escritora sulista. 

 É claro que não são apenas os escritores do sul, de inclinação lírica, que se envolvem em tais artes dramáticas e gritam: 'Olhe para mim'. Talvez seja uma parábola de todos os artistas. E nem sempre tombamos e caímos em um emaranhado de armadilhas que não nos cabem. No entanto, é bom estarmos cientes desse perigo, e não se contentar com lirismo pessoal, sua dramaturgia de beira de estrada, algo deve ser criado, algo que atraia não apenas observadores, mas participantes da performance. 

 Eu tento muito fazer isso. 

 O fato de eu querer que você observe o que eu faço, é para seu próprio prazer e para lhe dar conhecimento de coisas que eu sinto, e que posso saber melhor do que você, porque meu mundo é diferente do seu, pois tão diferente quanto o mundo de cada homem é o mundo dos outros. Claro que isso não é desculpa para um lírico que ainda não dominou o necessário truque de elevar-se do singular ao plural, ou do pessoal ao geral. Sei que todos esses anos, talvez tenham passado como um sonho por causa dessa minha obsessão de vir tentando aprender a fazer esse truque e torná-lo verdadeiro, e olhe que às vezes sinto que sou capaz de fazê-lo. Às vezes, quando o extasiado artista de esquina em mim grita 'Olhe para mim', sinto que meus calçados perigosos e trajes fantásticos podem não me desequilibrar. Então, de repente, vocês e outros artistas do show na calçada, podem se virar para me dar atenção e permitir que eu a segure, pelo menos pelo menos no intervalo entre 8h40, até mais ou menos, 14h. 

 Onze anos atrás, neste mês de março, quando eu estava muito mais perto do que eu sabia, a apenas nove meses daquele tão adiado, mas sempre esperado, o momento, algo pelo qual eu vivia, em que eu chamaria e prenderia a atenção do público pela primeira vez. Escrevi meu primeiro prefácio para uma longa peça. O parágrafo final ficou assim: 

"Há muito e não há, tempo suficiente para dizer que não há poder suficiente. Mesmo não sendo um bom escritor, e sei que posso ser às vezes, um escritor muito ruim, sei que dificilmente, exista um escritor de sucesso atuando ao meu redor que não consiga escrever. Embora eu pense na escrita como algo mais orgânico que as palavras, algo mais próximo do ser e da ação, quero trabalhar cada vez mais com um teatro mais plástico do que aquele que eu trabalhava antes. Nunca duvidei nem por um momento que existissem milhões de pessoas que também tenham coisas a dizer. E agora temos chegado um ao outro com amor, o alcance dos meus braços curtos não foi afetado, porque o comprimento e a multiplicidade deles, sendo com amor e com honestidade, o abraço se faz inevitável." 

 Essa minha característica emocional, se não é retórica, foi uma declaração que naquela época parecia eu sugerir que via a mim mesmo como tendo um relacionamento altamente pessoal, até mesmo íntimo, com as pessoas que vão ver minhas peças. Eu fiz e ainda faço. Uma timidez mórbida, uma vez me impediu de ter muita comunicação mais diretamente com as pessoas, e possivelmente por isso comecei a não escrever peças e histórias para elas. Mas mesmo agora, quando aquela timidez calada, ruborizada, silenciosa e agachada se desvaneceu com a passagem do jovem problemático de onde surgiu, ainda acho mais fácil 'enfrentar' multidões de estranhos, no crepúsculo silencioso de sessões de orquestra e varanda de teatros do que com indivíduos, em uma mesa à minha frente. O fato deles serem estranhos de alguma forma os torna mais familiares e acessíveis, mais fáceis de conversar.

 É claro que sei que às vezes presumi demais sobre os interesses daqueles com quem falo ousadamente, e isso me levou a rejeições que foram dolorosas e caras suficientemente inspirando-me mais pudor. Mesmo quando eu peso uma coisa contra a outra, um gosto fácil contra um respeito mútuo, a balança sempre pende para um lado, e seja qual for o risco de ser ignorado, não vou querer falar com as pessoas apenas superficialmente sobre os aspectos de suas vidas, o tipo de coisa que os conhecidos riem e comentam em ocasiões sociais comuns.

Sinto que eles são obrigados bastante a isso, e os céus sabem que eu também, principalmente antes e depois do pequeno intervalo de tempo em que tenho a atenção deles e digo o que tenho a dizê-los,  A discrição da conversa social, mesmo entre amigos, é superada apenas pela discrição dos 'seis profundos', aquele túmulo onde nada é mencionado. Emily Dickinson, aquela solteirona lírica de Amherst, Massachusetts, que usava um coração estrito e selvagem em uma manga de tafetá, comentou ironicamente sobre esse tipo de discurso póstumo entre amigos nestas linhas [tradução de Idelma Ribeiro de Faria]:

Morri pela Beleza

Morri pela beleza e mal estava
Ao túmulo ajustado
Alguém veio habitar a sepultura ao lado
(Defendera a verdade).

Baixinho perguntou: “Por que morreste?”
“Pela beleza”, respondi.
“E eu pela verdade. São ambas uma só.
Somos irmãos”, me disse.

E assim como parentes que à noite se encontram
Entre os jazigos conversamos,
Até que o musgo alcançou nossos lábios
E cobriu nossos nomes

Entretanto! - Quero continuar falando com vocês tão livre e intimamente sobre o que vivemos e morremos como se eu os conhecessem melhor do que qualquer outra pessoa que vocês conhecem                           

Tennessee Williams








quarta-feira, 30 de novembro de 2022

TENNESSEE WILLIAMS E PAUL NEWMAN, UM POSSÍVEL CASO

  "The man behind the baby blues" foi uma biografia lançada em 2009 sobre Paul Newman bastante polêmica. Escrita por Darwin Potter, expunha segredos nada conhecidos do galã hollywoodiano, como por exemplo, sua bissexualidade. O livro afirma que Newman tivera tido casos de Marlon Brando a Natalie Wood, de Montgomery Clift a Joan Crawford, de James Dean a Steven McQueen. E um caso que achei muito interessante foi com o dramaturgo Tennessee Williams. Segundo Potter, os dois teriam passado um final romântico na casa do Tennessee, Potter era seu vizinho. Paul fez ainda com Tennessee ainda vivo, uma peça sua e dois filmes da sua obra. Me deixou intrigado foi que em seu livro de Memórias, Tennessee mal fala em Newman (duas linhas são ditas) mesmo eles tendo trabalhados juntos. Me pareceu uma autocensura sobre o assunto ou algo assim. O livro ainda afirma o apoio de Newman a causas homossexuais e a sua filantropia para usuários de drogas. Muitos se perguntam se esses casos foram verdade ou não, resta uma afirmação do próprio Newman a entrevista de Gore Vidal, depois de ter contado a Vidal uma fez que lia Nietzsche e foi assediado por um Jesuíta, "Aí eu vi que não era pra mim", "A religião ou a homossexualidade?" - perguntou Vidal, "Nietzsche". Pra que mais provas?  

 

 Existe um vídeo no YouTube no canal Sociocrônica que esmiúça um pouco da vida bissexual de Newman, um vídeo muito interessante e divertido. 

paul newman and tennessee williams | Tennessee williams, Paul newman, Newman

ebook) Paul Newman, The Man Behind the Baby Blues - 9781936003082 - Dymocks

TENNESSE WILLIAMS, CHARLES AZNAVOUR E WOODY ALLEN

 Ah! eu me sinto órfão. Acabei de terminar o livro "Memórias" de Tennessee Williams e me sinto órfão, como foi bom acompanhar as memórias dele. Uma vida de muita repressão sexual, até a libertação aos 30 anos, muitos parceiros, muitas crises, muitos textos autobiográficos, muitas peças geniais, muitos contos sensacionais. Me sinto tão órfão, que agora leio uma coletânea de contos dele, "49 contos", da Companhia das Letras, é triste como os livros de Tennessee são difíceis de encontrar. Encontrei na biblioteca da faculdade, que só existe uma edição brasileira esse livro de memórias (1976) e este livro de contos (2006). "Para felicidade geral da Nação", a Biblioteca Teatral tem lançado quatro coletâneas de peças suas, uma com "Gata em telhado de zinco quente", "A noite da Iguana" e a " A descida do Orfeu"; "De repente, no último verão", "O zoológico de vidro" ("À margem da vida") e "O doce pássaro da juventude" - esta eu tenho; "27 carros de algodão e outras peças de um ato"; "Mister Paradise e outras peças de um ato". Infelizmente, essas obras tem preços nada acessíveis, a edição com "Gata em teto de zinco quente", tem custado em torno de R$ 100,00. É notório o quão esquecido Tennessee é no Brasil. Eu mesmo o conheci pela minha paixão por Paul Newman, que fez dois filmes da obra de Tennessee ("Gata..." e "O doce pássaro..."). 

 Assim tenho passado meus dias, lendo Williams e uma nova recente grande paixão que são os filmes de Woody Allen em que suas opiniões sobre a vida, morte tenho concordado muito (mesmo sendo Allen um diretor maldito pela sua vida pessoal, temos que admitir a sua genialidade artística). Ao assistir "Meia noite em Paris", a explicação para com a nostalgia, que o passado fora melhor e o presente como entediante, me tem apetecido uma própria questão minha. Falando em Nostalgia tenho ouvido muito Charles Aznavour as suas canções são lindíssimas e ele é uma sumidade no palco e cantando. Tenho aprendido um pouco de francês para entendê-las. A sua "Comme il disent" ("Como eles dizem") uma canção sobre homossexualidade me deixou profundamente marcado, interessante um heterossexual escrever tão sensivelmente sobre isso. São 7h30 acho que vou terminar "Para Roma com amor", Allen tem até filmes melhores, mas está em contato com seu texto e direção é sempre delicioso. 

Acidente inesperado: a fatídica morte de Tennessee Williams

Woody Allen: “Depois de morto, podem jogar meus filmes no mar. Não estou  nem aí para a posteridade” | EL PAÍS Semanal | EL PAÍS Brasil

Morre o ícone francês Charles Aznavour – DW – 01/10/2018

Paul Newman em "O doce pássaro da juventude" (1962)Doce Pássaro da Juventude / Sweet Bird of Youth – + de 50 Anos de Filmes

domingo, 6 de novembro de 2022

PRENDAM SÓFOCLES (baseada numa história real)

 Era 21 de agosto de 1965. Era minha estreia nos palcos do Teatro João Caetano. A peça era “Electra” – um clássico de Sófocles. Eu estava muito contente. Eu fazia parte de um grupo iniciante do mesmo teatro. A noite estava linda, todos os ingressos foram vendidos, tudo estava perfeito, cenário, figurino. Não tínhamos muito dinheiro, mas conseguíamos nos virar.
- A que horas está marcada a peça? – disse um amigo meu que estava lá para me prestigiar.
- Às 21h00. Não vejo a hora, meu coração está preste a pular da minha boca
- Carlinhos, se acalma, tudo vai ficar bem – falou Pedro Afonso, outro amigo, também ator da peça.
- Acho melhor a gente se aprontar – falei decisivo
- Bem vamos – disse Pedro. ... Começo do primeiro ato... Maria Del Costa entrou em cena. De repente se ouviu um barulho, militares entravam no teatro, eram 13 e lá tinha um homem (à paisana) que parecia ser o responsável por eles e ele gritava com voracidade:
- Sou Inspetor Gonçalves, estou aqui para prender Sófocles. Prender esse “comuna”. 
 Todos se admiravam com aquilo, era absurdo, era impossível. O diretor da peça Antônio tentou explicar-se, aos gritos:
- Meu senhor, Sófocles morreu há mais de vinte séculos, sou o diretor da peça, palavra!
- Que palhaçada é essa? Acha que eu tenho cara de quê? Bobo? Palhaço? Arre! Qual o seu nome?
- Antônio Abujamra 
- O senhor deve ser muito amigo dele, para acobertar um subversivo de marca maior... sem blá, blá, blá... Quero saber onde está esse Sófocles. (dirigindo-se aos soldados que o acompanhavam) Vocês passem pente fino no teatro inteiro, procurem esse homem deve estar bem escondido na coxia ou em qualquer outro lugar o teatro está cercado, ninguém há de ousar sair. – disse em tom autoritário
 Eles entraram coxia a fora, Abujamra foi atrás, nós olhávamos pra eles, com uma mistura de medo e coragem, um sentimento tenebroso, e que espero não sentir, mais nunca. Era patético Sófocles estava morto. Uma hora esse inspetor não achando quem queria, mandou os subordinados, pegar e levar-nos, inclusive o diretor, para uma inspeção. Eles nos jogaram numa espécie de van, e ficamos a rodar, estava tudo escuro, eu não via os outros, nem ousávamos dizer uma sequer palavra, o medo nos corrompía.
 Uma hora, ela parou, era o DOPS. Botaram-nos todos numa sala com um coronel, eu acho, ele não se identificou, e perguntava com raiva:
 - Cadê Sófocles? Eu exijo que digam, se não sobra pra vocês! 
 Nós estávamos perplexos de tanto medo, ninguém se ousava a dizer, nem mesmo o Abu. Até que um colega nosso, Antenor Camargo, teve uma gota de coragem e disse-o:
 - Senhor, ele está morto!
- Morto? – ele riu diabolicamente.
- Sim, senhor, morto! – replicou Antenor.
- Você acha que aqui é o que? Que eu sou ignorante? Que eu não sei que ele é um desses escritores da juba comunista? 
- Mas está morto, acredite em nós! – suplicou Camargo
- Acredite em vocês?! Todos estão presos, prendam-no!
 Passamos a noite lá. Passei a noite horrorizado, com muito medo do que nos poderiam acontecer no dia seguinte, não dormir, só pensava em tortura, pensei que eles fossem torturar-me. No dia seguinte os espectadores, mais uma legião de pessoas, estavam lá para nos soltar, entregaram uma edição do livro subversivo em questão, com a biografia do autor. Os militares viram que não tinham como prendê-lo, pois, ele já estava preso só que em outro aspecto e era impossível tirá-lo de lá. Quando nos tiraram da prisão, eu não acreditei no que um soldado nos disse, não falei nada, mas pensei que fosse gozação dele para conosco, e pensei repentinamente, “Eles vão me matar”, “Eles vão me matar”. Só acreditei quando vi meu pai e minha mãe, me agarrei a eles e desabei a chorar, nunca havia chorado daquela maneira, nem sei explicá-la. E o choro vinha atrelado a uma dor, a dor da injustiça. A peça foi proibida por uma subversão identificável. 
 Foi há 55 anos. Hoje, vendo que há pessoas que querem que esse momento grotesco volte, e falam como esse tempo fosse feliz, o mundo fosse respeitador, e houvesse uma segurança reinante. Lembro-me de Cristo e rezo: “Perdoai-lhes, ó pai, eles não sabem o que dizem”
 
Roberto Filho


Golpe de 1964: o que foi, contexto histórico, acontecimentos

terça-feira, 21 de junho de 2022

Delírios (Romance) - A volta (1)

 São 9h30 da manhã, estou cansado, estou ansioso, estou agitado. Depois de dois anos fora enfim voltarei a meu Pernambuco - meu amado Pernambuco. É estranho saí anônimo e voltar com algum relativo sucesso. Parece mais que se passaram dez anos, a saudade da família em borbotões e a incongruência de certa forma, queria ter ficado trabalhando mais, seja em uma peça, em um filme, em uma novela, em um show. Sinto uma culpa, queria cantar a música do Roberto Carlos, mas não voltei pra ficar, não sinto que aqui é meu lugar, apesar de amá-lo, é estranho estar com sentimentos tão múltiplos e incongruentes, é estranho voltar diferente, mesmo que seja o status. Parece que foi ontem que eu saí daqui e cheguei ao Tom Jobim, cantando "Samba do avião". Parece que foi ontem que deixei minha mãe aos prantos, um coração partido e levei uma esperança tão renitente, pertinente com a promessa de um papel em novela. Fiquei feliz e apreensivo. Era um personagem gay, numa novela das nove. A coisa que mais gostaria de fazer na vida, era novela. É o produto que mais gosto de assistir. Apreensivo por ser um personagem gay. Mesmo eu sendo homossexual, eu não tinha coragem de me assumir pra família. O personagem protagonizou a primeira cena de sexo no horário e levou à público, minha orientação sexual - não tinha como esconder/negar. Como seria a relação com todos agora, depois da descoberta. Depois que num programa de entrevista escancaro para todo o Brasil. Ao me lembrar disso fico feliz pelo feito, ratificando toda a quantidade de sentimentos que estou sentindo nesse momento, no Spotify toca "Explode coração" - música tema do meu personagem, dando ainda mais intensidade ao meu sorriso, meu coração acalentado responde ao meu cérebro, "Você já é um vitorioso pelo que fez", e durmo quando acaba a música e começa "Caçador de mim". Nada mal ser acompanhado numa viagem pelas lindas vozes de Maria Bethânia e de Simone.

                                                                ...

 "Quero ver quem é que arranca nós aqui desse lugar", acordei e vejo o avião chegar à "Veneza Brasileira", desço do avião e parece que o Gilberto Freyre não vejo há milhares de anos. Pego minhas malas, saio no portão de desembarque, duas pessoas acenam e gritam meu nome, meu coração fica molinho, conheço muito bem aqueles dois, meu pai e minha avó, que vêm ao meu encontro e me dão um abraço, depois dou um abraço em cada um, individual, conheço a pinimba de trezentos anos. Pegamos um Uber e partimos para viagem que é até minha amada cidadezinha - Igarassu, primeiro núcleo de povoamento do Brasil, pelo menos é isso que se tem na entrada de seu Sítio Histórico, onde fica a casa dos meus pais, é estranho falar casa dos meus pais, até outro dia, era minha casa. Conversas triviais, perguntas sobre a viagem, tudo até parece muito bom, acho que a saudade é o único sentimento que faz com que outros fiquem até menores até ser matada. Reconheço tudo, Hospital das Clínicas, Hospital Miguel Arraes, me dá um afago ver esses hospitais novamente, são de certa forma, símbolos de um estado com tantos hospitais e que ainda sofre por superlotações má organizadas e escasso médicos para acompanharem. Cruzo o Sítio Histórico de Igarassu, meu coração vai a mil, ver novamente a "calma grei que acalenta eu teu colo", a cidade do passado, o Uber sai da Av. 27 de setembro, entra na Rua Luiz Freira e cruza a Rua Canadá, a casa amarela antiga, agora tem um portão de ferro que deu lugar ao desbotado portão de ferro com resquícios de tinta azul, entro portão a dentro, alegre, falando, minha mãe sentada na poltrona chora copiosamente, minha irmã aparece, meu cunhado também, abraço a minha mãe, digo três afagos carinhosos, vocês não sabem o prazer de estar de volta. 

CHARLES AZNAVOUR: "Je reviens" (1972, Live at Olympia)

  Des fois j'ai fait le tour du    Uma vez eu estive a o redor do mundo monde Deixando a morena para a loira Laissant la brune pour la b...