É triste, embaraçoso e pouco atraente que certas emoções que o incitam profundamente a tecer expressões com alguma medida de luz e poder estejam quase todas imutáveis. Mesmo que tenham mudado em sua superfície, nas preocupações particulares e às vezes peculiares de todo artista, esse mundo particular, suas paixões e as características próprias que faz cada um ser o que é desde o nascimento até a sua morte, estão a nos rondar, como uma teia de monstruosa complexidade, tecida a velocidade e comprimentos incalculáveis oriundos da boca de aranha com próprias percepções singulares.
É uma ideia solitária, uma condição solitária, tão assustadora de se pensar que normalmente não pensamos. E assim falamos um com o outro, nos escrevemos, nos telegrafamos, ligamos um para o outro em curtas e longas distâncias em terra e mar, apertamos as mãos um do outro nos encontros e na despedidas da vida, lutamos entre nós mesmos por causa desse esforço sempre um tanto frustrado de romper tais paredes. É como disse uma vez um personagem de uma peça: 'Todos nós estamos condenados a um confinamento solitário dentro de nossas próprias peles'.
Lirismo pessoal, que nos fazer clamar, de prisioneiro para prisioneiro duma cela solitária onde cada um é confinado por toda a vida.
Certa vez, vi um grupo de garotinhas em uma calçada do Mississipi, todas enfeitadas com as roupas de suas mães e irmãs, velhos vestidos de baile esfarrapados, chapéus de plumas e chinelos de salto alto. Encenavam um encontro de senhoras na sala de estar com um imitação perfeita do educado sotaque sulista e sorriso afetado. Mas uma criança não estava satisfeita com a atenção dada a sua performance arrebatada pela das outras, já que elas estavam muito envolvidas em suas próprias performances para agradá-la, então esticou seu pescoço e seus braços magros, jogou-os para trás e gritou para os céus surdos, para elas e vizinhos igualmente indiferentes: 'Olhem para mim, olhem para mim, olhem para mim!'
E então os chinelos de salto alto de sua mãe a desequilibraram e ela caiu na calçada em um grande uivo de cetim branco sujo e seda rosa rasgada, e ainda assim ninguém lhe olhou.
Eu tenho me perguntado, se ela não é agora, uma escritora sulista.
É claro que não são apenas os escritores do sul, de inclinação lírica, que se envolvem em tais artes dramáticas e gritam: 'Olhe para mim'. Talvez seja uma parábola de todos os artistas. E nem sempre tombamos e caímos em um emaranhado de armadilhas que não nos cabem. No entanto, é bom estarmos cientes desse perigo, e não se contentar com lirismo pessoal, sua dramaturgia de beira de estrada, algo deve ser criado, algo que atraia não apenas observadores, mas participantes da performance.
Eu tento muito fazer isso.
O fato de eu querer que você observe o que eu faço, é para seu próprio prazer e para lhe dar conhecimento de coisas que eu sinto, e que posso saber melhor do que você, porque meu mundo é diferente do seu, pois tão diferente quanto o mundo de cada homem é o mundo dos outros. Claro que isso não é desculpa para um lírico que ainda não dominou o necessário truque de elevar-se do singular ao plural, ou do pessoal ao geral. Sei que todos esses anos, talvez tenham passado como um sonho por causa dessa minha obsessão de vir tentando aprender a fazer esse truque e torná-lo verdadeiro, e olhe que às vezes sinto que sou capaz de fazê-lo. Às vezes, quando o extasiado artista de esquina em mim grita 'Olhe para mim', sinto que meus calçados perigosos e trajes fantásticos podem não me desequilibrar. Então, de repente, vocês e outros artistas do show na calçada, podem se virar para me dar atenção e permitir que eu a segure, pelo menos pelo menos no intervalo entre 8h40, até mais ou menos, 14h.
Onze anos atrás, neste mês de março, quando eu estava muito mais perto do que eu sabia, a apenas nove meses daquele tão adiado, mas sempre esperado, o momento, algo pelo qual eu vivia, em que eu chamaria e prenderia a atenção do público pela primeira vez. Escrevi meu primeiro prefácio para uma longa peça. O parágrafo final ficou assim:
"Há muito e não há, tempo suficiente para dizer que não há poder suficiente. Mesmo não sendo um bom escritor, e sei que posso ser às vezes, um escritor muito ruim, sei que dificilmente, exista um escritor de sucesso atuando ao meu redor que não consiga escrever. Embora eu pense na escrita como algo mais orgânico que as palavras, algo mais próximo do ser e da ação, quero trabalhar cada vez mais com um teatro mais plástico do que aquele que eu trabalhava antes. Nunca duvidei nem por um momento que existissem milhões de pessoas que também tenham coisas a dizer. E agora temos chegado um ao outro com amor, o alcance dos meus braços curtos não foi afetado, porque o comprimento e a multiplicidade deles, sendo com amor e com honestidade, o abraço se faz inevitável."
Essa minha característica emocional, se não é retórica, foi uma declaração que naquela época parecia eu sugerir que via a mim mesmo como tendo um relacionamento altamente pessoal, até mesmo íntimo, com as pessoas que vão ver minhas peças. Eu fiz e ainda faço. Uma timidez mórbida, uma vez me impediu de ter muita comunicação mais diretamente com as pessoas, e possivelmente por isso comecei a não escrever peças e histórias para elas. Mas mesmo agora, quando aquela timidez calada, ruborizada, silenciosa e agachada se desvaneceu com a passagem do jovem problemático de onde surgiu, ainda acho mais fácil 'enfrentar' multidões de estranhos, no crepúsculo silencioso de sessões de orquestra e varanda de teatros do que com indivíduos, em uma mesa à minha frente. O fato deles serem estranhos de alguma forma os torna mais familiares e acessíveis, mais fáceis de conversar.
É claro que sei que às vezes presumi demais sobre os interesses daqueles com quem falo ousadamente, e isso me levou a rejeições que foram dolorosas e caras suficientemente inspirando-me mais pudor. Mesmo quando eu peso uma coisa contra a outra, um gosto fácil contra um respeito mútuo, a balança sempre pende para um lado, e seja qual for o risco de ser ignorado, não vou querer falar com as pessoas apenas superficialmente sobre os aspectos de suas vidas, o tipo de coisa que os conhecidos riem e comentam em ocasiões sociais comuns.
Sinto que eles são obrigados bastante a isso, e os céus sabem que eu também, principalmente antes e depois do pequeno intervalo de tempo em que tenho a atenção deles e digo o que tenho a dizê-los, A discrição da conversa social, mesmo entre amigos, é superada apenas pela discrição dos 'seis profundos', aquele túmulo onde nada é mencionado. Emily Dickinson, aquela solteirona lírica de Amherst, Massachusetts, que usava um coração estrito e selvagem em uma manga de tafetá, comentou ironicamente sobre esse tipo de discurso póstumo entre amigos nestas linhas [tradução de Idelma Ribeiro de Faria]:
Morri pela Beleza
Morri pela beleza e mal estava
Ao túmulo ajustado
Alguém veio habitar a sepultura ao lado
(Defendera a verdade).
Baixinho perguntou: “Por que morreste?”
“Pela beleza”, respondi.
“E eu pela verdade. São ambas uma só.
Somos irmãos”, me disse.
E assim como parentes que à noite se encontram
Entre os jazigos conversamos,
Até que o musgo alcançou nossos lábios
E cobriu nossos nomes
Entretanto! - Quero continuar falando com vocês tão livre e intimamente sobre o que vivemos e morremos como se eu os conhecessem melhor do que qualquer outra pessoa que vocês conhecem
Tennessee Williams
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