terça-feira, 21 de junho de 2022

Delírios (Romance) - A volta (1)

 São 9h30 da manhã, estou cansado, estou ansioso, estou agitado. Depois de dois anos fora enfim voltarei a meu Pernambuco - meu amado Pernambuco. É estranho saí anônimo e voltar com algum relativo sucesso. Parece mais que se passaram dez anos, a saudade da família em borbotões e a incongruência de certa forma, queria ter ficado trabalhando mais, seja em uma peça, em um filme, em uma novela, em um show. Sinto uma culpa, queria cantar a música do Roberto Carlos, mas não voltei pra ficar, não sinto que aqui é meu lugar, apesar de amá-lo, é estranho estar com sentimentos tão múltiplos e incongruentes, é estranho voltar diferente, mesmo que seja o status. Parece que foi ontem que eu saí daqui e cheguei ao Tom Jobim, cantando "Samba do avião". Parece que foi ontem que deixei minha mãe aos prantos, um coração partido e levei uma esperança tão renitente, pertinente com a promessa de um papel em novela. Fiquei feliz e apreensivo. Era um personagem gay, numa novela das nove. A coisa que mais gostaria de fazer na vida, era novela. É o produto que mais gosto de assistir. Apreensivo por ser um personagem gay. Mesmo eu sendo homossexual, eu não tinha coragem de me assumir pra família. O personagem protagonizou a primeira cena de sexo no horário e levou à público, minha orientação sexual - não tinha como esconder/negar. Como seria a relação com todos agora, depois da descoberta. Depois que num programa de entrevista escancaro para todo o Brasil. Ao me lembrar disso fico feliz pelo feito, ratificando toda a quantidade de sentimentos que estou sentindo nesse momento, no Spotify toca "Explode coração" - música tema do meu personagem, dando ainda mais intensidade ao meu sorriso, meu coração acalentado responde ao meu cérebro, "Você já é um vitorioso pelo que fez", e durmo quando acaba a música e começa "Caçador de mim". Nada mal ser acompanhado numa viagem pelas lindas vozes de Maria Bethânia e de Simone.

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 "Quero ver quem é que arranca nós aqui desse lugar", acordei e vejo o avião chegar à "Veneza Brasileira", desço do avião e parece que o Gilberto Freyre não vejo há milhares de anos. Pego minhas malas, saio no portão de desembarque, duas pessoas acenam e gritam meu nome, meu coração fica molinho, conheço muito bem aqueles dois, meu pai e minha avó, que vêm ao meu encontro e me dão um abraço, depois dou um abraço em cada um, individual, conheço a pinimba de trezentos anos. Pegamos um Uber e partimos para viagem que é até minha amada cidadezinha - Igarassu, primeiro núcleo de povoamento do Brasil, pelo menos é isso que se tem na entrada de seu Sítio Histórico, onde fica a casa dos meus pais, é estranho falar casa dos meus pais, até outro dia, era minha casa. Conversas triviais, perguntas sobre a viagem, tudo até parece muito bom, acho que a saudade é o único sentimento que faz com que outros fiquem até menores até ser matada. Reconheço tudo, Hospital das Clínicas, Hospital Miguel Arraes, me dá um afago ver esses hospitais novamente, são de certa forma, símbolos de um estado com tantos hospitais e que ainda sofre por superlotações má organizadas e escasso médicos para acompanharem. Cruzo o Sítio Histórico de Igarassu, meu coração vai a mil, ver novamente a "calma grei que acalenta eu teu colo", a cidade do passado, o Uber sai da Av. 27 de setembro, entra na Rua Luiz Freira e cruza a Rua Canadá, a casa amarela antiga, agora tem um portão de ferro que deu lugar ao desbotado portão de ferro com resquícios de tinta azul, entro portão a dentro, alegre, falando, minha mãe sentada na poltrona chora copiosamente, minha irmã aparece, meu cunhado também, abraço a minha mãe, digo três afagos carinhosos, vocês não sabem o prazer de estar de volta. 

terça-feira, 7 de junho de 2022

LUA CHEIA DE AMOR - I

 Uma novela que eu nada muito valor. Comecei a assistir pela paixão por Bete Mendes, Rodolfo Bottino e Gilberto Braga, que supervisiona o texto. "Lua cheia de amor" é um dos melhores folhetins já produzidos pela Globo. Deve ter caído no esquecimento talvez por não ter uma protagonista muito carismática, apesar que divertida, Genuína/Genu (Marília Pera), não é um dos personagens lá muito bem lapidados, seja pelo texto ou pela atuação de Marília Pera, que carrega ainda alguma coisa de Rafaela Alvaray, sendo até engraçado, mas não tão apaixonante como a própria Rafaela, claro que ela é engraçada, mas seja o texto, de um português tão caricato, que torna a ser não muito crível. Claro que sentimos pena, dela quando é espezinhada pelos os filhos, principal recurso dramatúrgico para o telespectador se comover com sua vida, mas vemos com o passar dos anos que não houve muita comoção, já que uma das personagens mais esquecidas de Marília, o tiro saiu pela culatra. 

 A novela também pode ter sido "esquecida" por ter coadjuvantes mais interessantes que os principais. A filha de Genu, Mercedes (Isabela Garcia) é um dos tipos mais insuportáveis, sendo não tão carismática como Maria de Fátima, a filha ingrata de "Vale tudo", e sim só chata. E além disso tendo Augusto (Maurício Mattar), um homem rico que se faz de pobre para mostrar para Mercedes que o amor é que importa, fica sendo insustentável, sabendo que ele sabe que ela não vale nada e tenta a todo custo provar isso a ela. E Douglas (Rodolfo Bottino), que muito rapidamente se apaixona e quer se casar com ela, e é perceptível que sabe que ela não gosta tanto dele assim, quer a todo custo se casar com ela. Genu tem outro filho que é Rodrigo (Roberto Battaglin), um dos seus melhores papéis que é noivo de Flávia (Renata Laviola), uma personagem muito sem graça. Mário Gomes como sempre, sem graça, como Wagner, que destoa da brilhante Drica Moraes como a cleptomaníaca rica, Isabela.

 Quem brilha muito é Bete Mendes como a alcoviteira Emília, casada com Urbano (John Hebert), sempre maravilhoso em seus papéis de tipos parecidos mas capaz de sempre arrancar risos de quem o assiste. Emília é uma das mais maravilhosas criações de Bete. Arlete Sales também é sensacional como a nova rica, Quitéria, casada com Jordão (Carlos Zara). São deliciosas as cenas de Arlete, Bottino e Zara. Rodolfo Bottino, diga-se de passagem, está ímpar no auge da beleza, entregando sempre profundidade em sua atuação. Geraldo Del Rey está emocionante como o sensível Túlio, que é apaixonado por Genu. Ao meu ver a trama mais interessante é de Laís (Suzana Vieira), Bubby (Alexandre Lippiani) e Conrado (Cláudio Cavalcanti) que fazem um ótimo triângulo amoroso. Laís e Conrado estão casados há 25 anos e começa a caminhar numa crise ao brotar uma chama, mesmo reticente, entre Laís e Bubby. 

 A supervisão de Gilberto Braga faz muita diferença no texto de  escrita por Ricardo Linhares, Ana Maria Moretzsohn e Maria Carmem Barbosa, em colaboração de Márcia Prates, as referências à arte em geral e os diálogos reflexivos, é muito característico do universo gilbertobraguiano, este que é um remake disfarçado de Dona Xepa de Pedro Bloch, novela feita para as 18hrs por Gilberto Braga em 1977. A direção geral de Roberto Talma, tem um tom de videoclipe, tendo em vista que Roberto Talma passou muito anos dirigindo musicais e similares para a emissora.

 A novela com seus prós e contras é deliciosa de assistir, tendo nada que incomode, decerto, mas não tendo personagens populares em evidências a cativar a paixão do público. Mesmo tendo um bom ritmo, a trama entrou no hall das novelas mais esquecidas pela Globo. Sem dúvida uma das novelas que mais estou gostando de acompanhar. 

Lua Cheia de Amor (TV Series 1990– ) - IMDbCoprodução da Globo com emissoras europeias, Lua Cheia de Amor completa 30  anosLua Cheia de AmorPersonagens | Lua Cheia de Amor | memoriaglobo


domingo, 5 de junho de 2022

"Chorei por você" é uma obra-prima esquecida

 "Chorei por você" ou "O coringa é selvagem" (The joker is wild) é um filme biográfico sobre a vida do comediante e cantor Joe E. Lewis baseado em sua autobiografia "The joker is wild: The story of Joe E. Wild". O filme começa com sua ascensão nos anos 1920, quando ao escolher cantar em outro lugar a não ser na casa de shows do seu patrão, secretário de Al Capone, é espancado e tendo língua e cordas vocais retalhadas. Não conseguindo mais cantar, tenta a carreira como comediante. 

 Primeiramente, é de se ver o bom roteiro de Oscar Saul, em que o filme não fica chato em nenhum momento, coisa muito comum em filmes mais antigos que em os roteiros são mais prolixos. Frank Sinatra está muito bem como o comediante, e aliás foi convidado pelo próprio Joe para interpretá-lo. Charles Vidor dá um tom muito sensível ao filme, inclusive nos momentos que o Joe comediante tira sarro de sua própria vida, fazendo um humor involuntário, fazendo com que o espectador se sinta mal ao rir de sua tragédia. Um personagem que ao meu ver, seria muito bom se interpretado por Paul Newman, mas claro que Sinatra dá o tom preciso ao filme. Não deixando a desejar. 

 É bom parabenizar também a performance de Eddie Albert como Austin Mack, o pianista e fiel amigo de Joey e Jeanne Crain como Letty Page, o grande amor da vida de Lewis. Ainda temos Sinatra cantando "Chicago", uma paródia de "Swinging on a star" e a música tema.

 A música tema "All the way" de Cahn Sammy e Van Heusen Jimmy, é belíssima, ganhou Oscar de melhor música original, aliás uma das belas de toda a carreira de Frank Sinatra. Tem uma ótima versão que o cantor gravou em seu álbum de músicas vencedoras de Oscars, Sinatra Sings Days of Wine and Roses, Moon River, and Other Academy Award Winners. Expressa bem o tema do filme e dá o tom trágico que o filme adota. 

 "Chorei por você" nos mostra que mesmo depois de uma tragédia, todos podemos recomeçar a vida. Há um antigo ditado que diz que passamos a nossa vida praticando o nosso segundo maior talento, no final, ao ser confrontado pela sua consciência, ele percebe que "Você nunca seria um Caruso" e se vê tornar um comediante de muito sucesso. "Eu tentarei" é a última frase a ser dita por Joe, e assim é a vida temos que tentar, pois é o que restamos fazer, tentar, tentar e tentar, e se não conseguir tentar de novo, só assim se tem maturidade errando e recomeçando,

Through the good or lean years
And for all those in between years
Come what may

Who knows where the road will lead us

All the way. 

(Através dos bons e maus anos
e para todos os anos
venha como tiver que ser 

Quem sabe onde esta estrada nos levará

Definitivamente.)


The Joker Is Wild (1957) | Radio Times

Frank Sinatra and Mitzi Gaynor in The Joker is Wild | Grand Old Movies

The Joker is Wild (1957) | MUBI

sábado, 4 de junho de 2022

"Chuvas de verão", uma obra-prima de Cacá Diegues

  "Trazer uma aflição dentro do peito é dá vida a um defeito que se extingue com a razão" 

 Depois de assistir o esperançoso, "Um trem para as estrelas", assisto do mesmo Cacá Diegues, "Chuvas de verão", o que me fez ver novamente, o porquê dele ser tão aclamado. A poesia e a maneira de retratar o país é genial. Cacá mistura poesia e realidade, fantasia e realismo como ninguém. Misturando-os de tal ponto, que não conseguimos muito bem desvencilhar o que é tal coisa, já que tudo de certo ponto, expressa o espírito brasileiro de ser. 

"Chuvas de verão" é um dos poucos filmes brasileiros a abordar o etarismo e principalmente com maestria. Aborda a vida de Afonso - brilhantemente interpretado por Jofre Soares, que se aposenta e começa a passar pelas angústias causadas pela idade e pela rejeição. É viúvo e apaixonado pela sua vizinha, Isaura (Miriam Pires) que por causa de convenções sociais prefere não dar trela a seus próprios desejos. Até que um dia, fazem de conta que o tempo não passou e se entregam lindamente, "Nós podemos, seu Afonso, nós podemos!", diz Isaura prestes a gozar. 

 Outros pontos também são apontados no filme: O cidadão de bem que estupra e mata uma criança; o marido chato que esconde tendências homossexuais ou transexuais; a mulher que depois de 60 anos não é mais vista sexualmente pelo marido; a paixão de um jovem por uma mulher mais velha. 

 Cacá retrata o Brasil de 1978, ainda oprimido pela ditadura militar. Uma pena tantas dessas questões ainda estarem atuais nos dias de hoje. 

 

Chuvas de Verão Online | NOW

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