DESABAFO (Monólogo)
Sei que você pode estar bestializado. Um detentor da moral e dos bons costumes, prefeito da cidade, vice-presidente das Usinas Trajano. Casado, pai de um filho. Eu sei que tudo pode lhe parecer, estranho, falso, absurdo. Vanda, tal boa pra mim, pros filhos, pra casa. Você acha que eu não me envergonho? Acha que eu não me acho covarde? Pois se certifique que sim. Todos os dias ao me olhar no espelho, eu penso em dar uma banana (e faz o gesto) para tudo e por todos e ir pra algum lugar, recomeçar a minha vida. Mas, a vida não é como a gente pensa que é. Você é doce. Você pode tá pensando que o que você tem com aquele rapaz que isso vai passar, quando você ficar maior, quando arranjar uma namoradinha. Mas, creia, NÃO PASSA NUNCA! Hoje em dia, eu com vergonha, eu não toco mais em Vanda, eu não consigo mais forjar. Ela hoje acho que se conformou. Papai, quase todo dia me cobra, “João meu filho, só teve um, filho meu tem que dar no coro!”, Você não sabe como eu gostaria. Mas soa falso. Eu só fiz uma jura a mim, e essa eu vou cumprir, se eu notar algo no meu filho, algo como nós, tenha a certeza, que vou fazer o possível para ele seguir os seus ímpetos. Eu creio que ele possa sentir, até, mas não é muito, pelo que vejo. Mas sempre dei todos as pistas possíveis para ele sempre ter em mim um ombro amigo. Mas eu lhe pergunto, vocês assumiriam diante de toda a cidade? Teriam a coragem que eu não tive. Ou se casariam e teriam a vida de vocês em segredo, “até a morte os separe”? Você podem até pensar, com mulher nunca me casarei, aliás você, acho que goste de mulher, mesmo que for um pouquinho. Se não me falhe a experiência. Mas, um dia, seus amigos vão tirar onda, ou pela sua virgindade, que vão fazer você a força, ir para o puteiro qualquer, talvez aquele lá, onde eu e todos meus irmãos perdemos. Ou para se casar. Sabe você, que eu relutei o quanto pude, pode ver, que Inácio é cinco anos mais velho que sua irmã Eu me casei aos 27, porque não pude mais adiar, um filho que não se casa, não está apto a comandar uma fábrica, como se as convenções dirigissem a inteligência. É tolo! Mas assim pensa o meu pai. E se eu quisesse desfrutar, tomar alguma rédea num patrimônio que será meu por direito, teria que arrotar a prepotência dos Trajano, me casando e engravidando a MINHA mulher. Meu querido, me desculpe falar pra você essas safadezas da vida, mas é também a minha desculpa. Claro que a covardia, não se desculpa, nem se perdoa. Mas, eu sei que você passará por tudo isso... se já não passa. Algo a dizer? Falei alguma inverdade?
Vocês tem um ao outro. Muitas vezes se sofre sozinho. Sofrer apoiado é diferente. Eu já tive a idade de vocês, já fiquei muito confuso. Mas, era só. Era bem pior. Não se percam, pelo menos de vocês mesmos. Não adianta tentar negar. Vivam. Se vocês viverem. Tenham certeza de que vou viver também. Claro que sofrimento sempre vai haver. A sociedade trabalha tão bem que de vez em quando, a gente é atacado por ele. A gente tenta engolir, claro vem uma culpa, uma coisa ruim, mas tem que driblá-la. Sabe, tenho quase 30 e poucos anos não adianta mais negar nada para mim mesmo. É tolo. É perda de tempo. E muito tempo eu já perdi. Quero curtir o tempo que me resta, se não tenho mais a juventude, mas tenho a vivência. Nos poucos jovens que procuram a vivência, eu procuro a juventude perdida. Procuro aquilo que eu não vivi, pois enquanto eu procurava negar, negar a minha vida, a minha existência, acabei deixando de viver para vegetar. Agora corro atrás, vivo em busca do tempo perdido. Estou muito confuso. Não sei. Se assumo esse relacionamento. Essa paixão, isso tudo foi como um choque. Tenho medo, tenho muito medo. Sei que o que sinto por ele é algo que transcende a amizade, que transcende tudo o que já me foi sentido. Eu quero tê-lo sempre ao meu lado e sei que todas as pessoas a nossa volta, veem isso como um desequilíbrio, como um desvio do nosso caráter. Sabe, eu tive um sonho, um sonho muito bonito, sonhei que morávamos na mesma casa, dormíamos no mesmo quarto, tínhamos uma vida normal, só nós dois. Mas, ele estava triste, ele trazia uma tristeza. Pensando bem, acho que a tristeza que ele sentia nesse sonho, era na verdade uma tristeza minha, uma tristeza minha espelhada nele. E nesse espelho, é como se como tudo isso que sentimos é refletido como uma doença ou coisa parecida, estamos sempre condenados a sofrer. Mas, tudo dar-se um jeito.
Será que ele teria coragem de engatar um namoro comigo? Claro. Que eu procuro não pensar nessas coisas. A gente tem que procurar algo que nos dê a segurança da alegria. É com isso que ajuda a gente a não esquecer, mas conviver, enfrentar. Nós não somos os únicos a sofrer com isso. Por isso eu prefiro ficar diante do vento. O vento me acalma. Só o vento salva. Por favor, não negue o vento nunca. O vento é seu e de mais ninguém. O que me motiva a dar valor isso é a minha paixão pelo vento. O vento que ele é iniciado. Aqui todos têm medo do vento, mas vou tentar não ter medo nunca. Eis o ponto de partida!
Roberto Pires Filho